A palavra pai sempre foi algo muito sagrado para mim...
Hoje quando penso em pai, sempre me ligo a uma força masculina, algo da esperteza, agressividade, vitalidade, a força que tenho para lutar pelos meus direitos, para buscar realizar meu desejo. É sempre algo que vibra na energia do fogo, do metal, do ar, das armas, das artimanhas da vida, tudo que se vincula a conquistas materiais, a realizações me ligam a essa energia masculina, de um pai maior.
Também me sinto ligada, a uma energia masculina do mar, algo da prosperidade, de um velho pescador que volta com sua rede carregada, e que prove a sua família a fartura. Ou um aventureiro, um desbravador, que vem do outro lado do oceano com suas histórias, suas expectativas, seus devaneios. E ainda alguém aprisionado, que obrigado a estar nessa terra, reconta e revê sua história, recomeça.
Dessa forma o pai é o espaço, é o vulcão, é o trovão, é o novo, é o medo, é a fé...
Meu pai, pai de sangue, esse que me deu parte da minha ancestralidade me ensinou a rezar. Me ensinou a agradecer a um anjo da guarda, e a um pai santissima trindade, pai, filho e espírito santo.
Esse pai me ensinou a ensinar a alguém a ser pai, me ensinou a dizer ao pai do meu filho a dar banho e me ajudar com as tarefas domésticas, a cuidar do meu filho.
Esse pai também me ensinou a ter sonhos, a sonhar a ler e escrever para um dia ensiná-lo, a ter gana e vontade de mudar minha realidade, de ser inteligente, sábia, esperta, curiosa.
Meu pai tinha uma ideia de infância bem bonita, gostava de deixar-nos livres, e também de permitir que mexessemos em coisas de adultos, como cozinhar no fogão. Meu pai não sabia ler, então também me deu o poder saber mais que ele e dizer o que estava escrito, e algumas vezes repreendê-lo, por não compreender as coisas.
Mas esse pai também deixou marcas profundas, que hoje consigo nomear abandono... seguir em frente sem olhar pra trás, e ainda assim nos amando, me construiu uma ideia muito cruel de amor que não fica, que não luta pra ficar junto, que se despede, sem dizer tchau, e que reaparece sem ter noção ou responsabilidade do mal que fez.
Por ignorância, machismo, ou qualquer outro nome que posso dar, ele deixou de nos procurar, de prover alimentos, de lutar para que eu e minha irmã tivessemos comida. No que escutei dele, tinha medo de nos procurar e parecer que procurava a mulher que abriu mão do casamento com ele, dessa forma, meu pai por orgulho, abriu mão de me acompanhar... talvez quando eu mais precisei de pai, o único pai que tive foi o pai maior, o pai coragem, o pai fé, o pai amor...
O pai amor próprio demorou para se apresentar, e ainda reluto em ter uma boa relação com ele. Essa marca de ter apenas 11 anos e não conviver mais com a minha figura paterna, fez eu ansiar por algo próximo a um pai... talvez um padrastro, um tio, um amigo, um padrinho, alguém que pudesse ser guia, caminho, colo...
Eu acreditava que se um dia reencontrasse meu pai, ia saber mais de mim e poder amar verdadeiramente alguém, que meu problema com os homens, meu jeito livre, questionador, querendo ser romântica mas ao mesmo tempo viver minha sexualidade, eu acreditava primeiro que isso era problema, segundo que deveria ser concertado, que talvez se eu tivesse tido um pai censor, eu seria mais adequada, e dessa forma teria o direito de ser amada.
Não ter um pai, ou perceber que meu pai, é marginal, nordestino, alcoolatra, analfabeto, me fez também sentir que era um homem assim que eu merecia, alguém que estivesse a margem da sociedade, e que precisasse de uma mulher forte, que suportasse todos os pesares para concertá-lo.
Esse texto continua, porque por meio da escrita visitar essas camadas e falar delas está sendo dolorido, mas preciso escrever sobre, talvez eu revisite em outra hora, e possa dar sequência ao que é pai pra mim ou a vivência que eu tenho de pai